O super homem sente medo e até se machuca. O maior surfista salva-vidas na atualidade, o Alemão de Maresias, fraturou uma costela durante um treino recente e precisou ficar “de molho”, umas semaninhas sem surfar. Assim, ficou mais fácil de conseguir um relato literalmente de perder o fôlego, sobre o resgate do português Alex Botelho, em Nazaré. Alemão é um desses predestinados que mudaram o curso da história, sendo competente e estando no local certo e na hora certa.
1- Como foi a lesão?
Alemão de Maresias – Na verdade, foi um dia que fui fazer um treino com um aluno. O cara me puxou numa velocidade um pouco acima do normal, acabei caindo antes de chegar na onda. Não sei nem como me feri, mesmo com o colete, tamanho foi o impacto que tive uma fratura total da costela. Não chegou a perfurar nada, ela até voltou para o lugar, não houve nenhum desalinhamento e aí, a previsão era de ficar de 6 a 8 semanas fora d’água sem surfar, sem poder fazer muita coisa. Eu já estou voltando devagar, depois de 1 mês parado fiz umas saídas com alguns alunos só para não perder o ritmo. Em paralelo estou fazendo um trabalho de reabilitação com o meu preparador físico e ele me recomendou só a caminhada. Caminhar o máximo que eu puder, aí procuro fazer 1 hora, 1 hora e meia de caminhada todo dia e quando dá, quando me sinto confortável faço uns exercícios de isometria para os músculos não ficarem atrofiados.
2- Como tem sido a temporada de ondas?
Alemão de Maresias – Esse ano, desde o verão, eu estava em Nazaré em janeiro e fevereiro e soube de ótimas ondulações. Normalmente no verão dá um swell ou outro com qualidade, porém esse começo de ano mostrou ser um ano bem atípico, né. Menos de um mês foram 2 ou 3 ondulações. O outono também entrou com tudo, deu muita onda, quando rolou a Besta (laje na Baía de Guanabara), a Manitiba (laje de Jaconé), a Ilha Mãe, de um jeito que as pessoas nunca tinham visto, um mar daquele jeito, naquelas condições. Outras ondas fora do Rio também quebraram clássicas, porque estamos falando de Rio de Janeiro, mas se pesquisar em toda a costa brasileira deu muita onda desde o Rio Grande do Sul até a Bahia.
3- Veio para ficar no Rio?
Alemão de Maresias – Eu moro no Rio há 6 anos, vim com a família passar uma temporada, fiquei uns 3 meses. Voltei para Maresias no final de 2014, quando virou 2015 rolaram umas situações difíceis em São Sebastião por conta da estrutura, a família estava crescendo, então a gente queria ir para algum lugar que tivesse mais estrutura, mais informações. O Rio de Janeiro é um ótimo ponto de partida, porque daqui em 40 ou 50 minutos estou no aeroporto internacional. Isso, aliado a qualidade de vida por ser uma cidade de muitos esportes. Tem a escalada, surfe, vela, canoa havaiana, stand up, consigo trabalhar com tow in que é uma modalidade que eu pratico bastante. Todas essas modalidades que estou inserido e que em Maresias não conseguia praticar todas elas, aqui eu consigo. Fui muito bem recebido, fiquei um ano, pulei para o segundo e estou aqui há 6 (anos). A minha conexão com grandes ídolos do surfe que a temos aqui no Rio, o prórpio Rico de Souza, inclusive um dos meus pupilos é um dos filhos do Rico, o Éric de Souza, mas também tenho grandes parceiros como o Lucas Chumbo, Lucas Fink, Carlos Burle, Ian Cosenza, que é meu pupilo lá de Nazaré, entre outros que estão vindo comigo. É muito legal estar numa cidade que respira esportes e ter um grupo de amigos que seguem o mesmo caminho, então é muito legal estar no Rio de Janeiro nesse sentido.
4- O super homem não sente medo?
Alemão de Maresias – Não existe um super-homem, a gente é de carne e osso. As pessoas costumam me encontrar e falam – nossa, Alemão você é demais cara, você é um super-homem- e eu costumo responder, que eu sou igual a qualquer um. Eu preciso ir ao banheiro de manhã, escovar os dentes, me alimentar. Sem essas 3 coisas eu vou ficar de mau humor, cara (risos). O que muda no Alemão foi o caminho que eu segui, que me levou para o mar. A quantidade de tempo que eu gastei no mar me diferenciou um pouco dos outros. Assim, como ser humano eu sou igual. Quebrei uma costela, né. O super-homem não iria quebrar uma costela. Independente de quantas ondas eu peguei, quantas pessoas eu resgatei. No final a gente está no mesmo caminho.
5- Como foi receber o prêmio Committed Award da WSL
Alemão de Maresias – O Committed Award não foi um prêmio só meu, eu preciso ressaltar isso, foi um prêmio para a equipe de resgate que trabalhou aquele de uma maneira muito especial com muito afinco, desde o primeiro momento da manhã, das 8 até às 4 da tarde. Foi um dia inteiro ali de atividades, cara. Várias baterias alternando entre duplas e equipes, ajudando entre resgates e ações, então eu acho que aquilo ali foi fruto do trabalho de todo mundo. Lógico que eu era o responsável pela equipe naquela ocasião, então eu fui lá receber. A equipe me escolheu em votação para receber a premiação. Disseram que tinha que ser eu pelo resgate do Alex Botelho. Eu tive que pular do meu jetski para nadar com ele, para poder manter ele vivo. Aquilo ali acabou comovendo as pessoas e eu fui reconhecido. Independente, para mim foi um trabalho em equipe. Foi o reconhecimento da minha história. Mais um troféu de um trabalho que eu conquistei.
6- O resgate do Alex Botelho foi o momento mais marcante da sua vida?
Alemão de Maresias – Sem dúvida foi um dos momentos mais marcantes da minha vida, sem dúvida foi o mais bizarro. Eu abdiquei da minha experiência como piloto de jet. Eu abandonei o jetski e pulei na água. Eu tive que contar com a minha habilidade de surfista. Agora, imagina tu sair nadando com um cara que você vê todo dia saudável, forte, uma pessoa que te trata com respeito, com carinho, uma pessoa que te trata como irmão. Dentro d’água somos todos irmãos. Então, para mim, ficar ali nadando com ele, puxando ele, tomando ondas na cabeça, por sei lá 2 ou 3 minutos até chegar na areia, rolando, sem dúvida foi onde eu me pus à prova. Eu lembro muito bem e choro só de pensar. Lembro uma hora de estar boiando com ele num espaço de tempo entre uma série e outra, eu estava num buraco nadando com ele para a areia, olhei para o céu e falei – Deus, porque você me coloca aqui nessa situação – Que isso, brother (toma fôlego). Deus me respondeu né cara, tipo – Você tem que estar aí – e me manda uma onda de 3 metros na cabeça e buuummm (barulho da onda quebrando), eu o perco, encontro de novo e foi assim até chegar no quebra-coco, já exausto. No último momento eu o perdi e aquilo foi dramático para mim. Eu fiquei semanas mal, refletindo sobre os meus erros, né cara. Cometi alguns erros ali, que até hoje me perseguem e eu tento não me esquivar, mas olhar para esses erros e usar como uma escada que vai me ajudar a melhorar, se houver um próximo. Nenhum dia é igual ao outro. Uma lição que eu passo a todos os meus alunos e pilotos, é que a gente acorda todos os dias para aprender, todos os dias a gente tem uma lição. Para mim aquele dia foi uma mega lição. Agradeço a Deus, porque se ele me colocou ali, era para ser daquele jeito. Apesar de tudo, deu tudo certo. O Alex ficou incubado na uti por 15 dias, mas já voltou.Hoje está surfando. O meu maior prêmio foi ter recebido uma mensagem do Alex dizendo, não foi a primeira, foi a 4a vez que você vai ali por mim, eu só queria te agradecer de coração, eu te amo, cara.Essa mensagem foi o maior presente da minha vida. Deus me colocou nesse seguimento, dessa maneira, então que assim seja.
7- Quais foram as maiores conquista como surfista?
Alemão de Maresias – Já surfei Waimea, Teahupoo, Ilha de Páscoa, já surfei Nazaré. Meu sonho sempre foi surfar a maior onda do mundo e o meu maior troféu, eu refleti recentemente sobre isso, foi ter conquistado o Respeito do Garret (Mcnamarra), respeito do Burle (Carlos), respeito da Maya (Gabeira), do Rodrigo Coxa recordista mundial, o respeito do Rico (de Souza). Então, eu acho que esse é o legado que eu deixo para os meus filhos. Poxa, o Alemão era um cara exemplar, respeitado, com uma postura bacana. Esse é o maior troféu da vida, saber que a você é reconhecido e respeitado onde quer que você vá. Na real, o maior de todos acho que foi por a minha prancha no Farol de Nazaré. O prêmio da WSL foi notório, mas colocar a minha prancha no farol de Nazaré, naquele hall onde estão 20 dos maiores surfistas do mundo, né cara, foi o mais gratificante.
8- Vi nos seus stories do instagram que você se vacinou hoje.
Alemão de Maresias – Acho que a última vez que eu me vacinei foi há muito tempo, lá no tempo do zé gotinha, quando o Brasil fez uma das maiores campanhas de vacinação da história do planeta, acho que foi a campanha mais funcional que se tem registro na história do mundo, então eu não lembrava da vivência. Então hoje quando eu fui lá com o meu filho, eu falei – caramba, acho que tem uns 30 ou 40 anos, que eu passei por isso – eu devia ter, sei lá, uns 8 anos, nem lembro mais porque fui vacinado naquela época. Para mim foi um grande alívio, a gente vai se protegendo e de certa forma isso te dá mais conforto não só para mim, mas também para amigos e família, pessoas que estão ao nosso redor.
9- Como a pandemia afetou sua rotina de treino e negócios?
Alemão de Maresias – Em questão de trabalho, por mais incrível que pareça, os meus alunos estão de homeoffice (trabalhando de casa), assim elas tiveram uma janela maior de controle do tempo, então eles estão tendo mais tempo para surfar. Porque estamos trabalhando em um ambiente aberto, praticando esporte e isso te dá um estado de espírito melhor né. Para mim, meu trabalho, foi até benéfico, porque mais gente começou a me procurar para ter experiência de tow-in. É um trabalho individual, não é de grupo, a pessoa está sozinha ali comigo. Eu faço um monte exames, até por conta da minha idade, para manutenção do condicianamento físico. Então para mim, no quesito trabalho foi bom, agora no quesito patrocinadores eu acabei perdendo bastante. Foram cortados salários, diminuíram os custos, algumas ações foram cortadas. Eu tenho uma empresa que dá apoio a todos os tipos de produção no mar, se chama Surf Park Eventos e a empresa ficou parada. Agora que a gente começou a pegar alguns trabalhos cinematográficos, de propaganda. Mas no quesito prática de esportes foi um ano muito bom. Teve um volume muito bom de pessoas procurando o tow-in, muito por conta disso, as pessoas tiveram um maior controle do próprio tempo.
10- Como tem sido a vivência com os filhos nessa nova rotina forçada pela pandemia?
– Alemão de Maresias – Agora a gente está em casa, vê as coisas que a gente não via no dia a dia. Tem sido muito legal essa convivência, a gente acabou se aproximando muito mais. Eu não sou do futebol, mas os levo no futebol e às vezes tenho que jogar. Não sou do basquete, mas gosto de basquete para caramba e os meus os moleques são fissurados. Não sou do skate, mas os levo no parque. Levo na escola. Agora está frio e eles são mais do verão, mas eles pegam onda também. Tanto o menorzinho, o Samuel, que tem 7 anos, quanto o maior, o Rene, que tem 11. O maiorzinho é um monstro, entende de mar, adora os quebra cocos da Macumba (praia). Todo mundo se assusta, mas ele adora, fica que nem um alucinado dá até medo. É um moleque que tem muita disposição e a gente tenta direcionar. Com certeza, a pandemia nos ajudou nesse sentido. Sempre de uma maneira orgânica, sem querer impor, mas direcionando para uma vida saudável. Interagindo com pessoas, vivendo como a gente gosta, conectado com a natureza, com respeito ao meio ambiente, respeito ao próximo. Então dentro desse cenário, buscamos um ambiente harmonioso. Não é um momento fácil para as famílias, para o país, mas dentro do que a gente puder fazer para ter uma convivência melhor vai ajudar muito a gente e isso acaba se espalhando ao redor.
11- Como funcionam as aulas de tow-in?
Alemão de Maresias – É personal, aberto para o público qualquer pessoa pode vir e ter essa experiência, não é uma coisa fechada. Agora não posso falar, todo mundo pode vir, eu não posso atender 10 pessoas como se fosse uma escolinha de surfe, é uma coisa mais personalizada. Funciona de 2 maneiras, ou a pessoa quer aprender a pilotar para ganhar experiência conduzindo a moto aquática (jetski), ou a pessoa quer ter a experiência do tow-in. Então eu tenho direcionar cada um para o segmento que procura. Na verdade, o Quebra Mar da barra, segundo a Marinha é o local que tem mais acidentes envolvendo embarcações desde Macaé até Parati. Dá para ter noção do tamanho do risco que é aquele lugar ali. Então na Marina onde eu trabalho, que se chama Bela Marina, onde eu tenho a minha base, ali na Marinha eu comecei a ministrar clínicas a pessoas que não tem experiência de navegar na arrebentação, para ajudá-las a sair com segurança e não se expor ao risco naquele lugar. Quem quer ter experiência de tow-in, se ela tem o próprio jet, eu os boto nas ondas, resgato, fecho pacote de horas e assim por diante. Se não sou eu é o Éric de Souza. Ele fica mais com as sessões de tow-in, eu fico com o tow-in, mais as sessões de pilotagem. Com a minha lesão eu tive que ficar de 3 a 4 semanas fora d’água e o Éric (de Souza) além de grande surfista, ele tem se dedicado muito ao tow-in, começou ainda com o Rodrigo Resende ( Mosnter) lá atrás. Logo que eu mudei para cá, a gente fez algumas sessões juntos e eu fui dando uma lapidada nele, uns toques para ajudá-lo a melhorar e ele curtiu. Agora com o acidente, o Éric fez frente pra mim com os meus alunos, deu atenção total e foi super parceiro com os meus amigos.